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O Vão

  • Writer: Assessoria de Comunicação
    Assessoria de Comunicação
  • May 16
  • 2 min read

Ricardo Queiroz


Foi numa terça-feira, 6 de maio de 2025. Estação Campo Limpo, Linha 5-Lilás. Um homem tentou embarcar, mas ficou preso entre a porta do trem e a porta de segurança da plataforma. O metrô partiu. Ele foi arrastado e esmagado.


Morreu na hora.


Não tinha documento. Ninguém sabia seu nome.


Saiu nota da concessionária. Saiu manchete nos portais. Teve fala da Secretaria de Transportes, teve desculpa mal-ensaiada. E, no dia seguinte, já era outra a tragédia da vez.


A cidade seguiu.


Seguiu como se o sistema não tivesse engolido uma vida. Como se a morte tivesse sido um contratempo, um detalhe. Como se o corpo que ficou no vão não fosse o mesmo corpo que horas antes procurava chegar em algum lugar — um destino qualquer, uma entrevista, uma visita, uma rotina comum.


Ele não chegou.


E nunca vai chegar mais.


Ficou ali, esmagado por duas portas que deviam proteger — e que falharam. Entre sensores que não viram, algoritmos que não reagiram, e operários que talvez nem pudessem reagir. A cidade que promete mobilidade selou um destino. Travou a única passagem que importava: a da vida.


O trem seguiu, com seus vagões lotados de pressa e fone de ouvido. Seguiu porque tudo tem que andar. O fluxo é sagrado. Só não cabe quem atrasa. São Paulo é assim, não para.

E ele atrasou. Sem querer. Tentando entrar.


Foi tragédia, foi omissão? Virou apenas o ruído do dia. Sem nome. A maioria nem ficou sabendo. E quem soube, esqueceu.


Hoje é segunda-feira, 12 de maio. Faz quase uma semana. Eu lembrei disso antes de sair pro trabalho. Talvez na próxima segunda eu não lembre mais. Talvez ninguém lembre. Vai ficar só o vão. E o nome que ninguém disse.

 
 
 

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